Publicado por: Felipe Demarqui | Março 8, 2011

Disputa na Televisão

O Campeonato Brasileiro foi eleito o 4º melhor campeonato nacional do mundo (atrás de Espanha, Inglaterra e Itália, nessa ordem) pela IFFHS em Janeiro/2011. E a disputa para a transmissão desse campeonato vem ganhando novos capítulos a cada dia.

Existia no Cade um processo administrativo que vigorava desde 1997, que acusava a Globo e o Clube dos Treze por prática anticompetitiva Em 2008, a Record acenou com uma proposta de aproximadamente R$700 milhões por ano, frente aos R$500 milhões pagos pela emissora carioca. Essa oferta, porém, foi retirada, diante de uma cláusula de preferência no contrato vigente entre Clube dos Treze[1] e Globo (a Globo poderia sempre cobrir uma eventual proposta de outra emissora, deixando a disputa desigual), e também diante de um grande “desconforto” dos times participantes do campeonato

No início desse ano (2011), a Globo concordou em abrir mão desse direito de preferência (conduta que, segundo o Cade, gerava um poder econômico de monopólio da emissora). Sendo assim, qualquer outra emissora poderia obter os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro. Agora, com o início das negociações dos direitos para os campeonatos do triênio 2012/2013/2014, o assunto foi retomado, e dessa vez de forma mais direta, que levou alguns times a tomarem atitudes radicais.

A negociação é feito em formato de licitação, e cada emissora interessada entrega ao Clube dos Treze uma carta fechada com o valor da proposta para aquisição dos direitos de transmissão, sendo que o maior valor ganha. Simples assim. Especulações davam conta que, se realmente a licitação ocorresse, o montante oferecido pela Globo estaria próximo do que é pago hoje (R$600 mi incluindo TV por assinatura, pay per view e outros meios), enquanto a oferta da Record chegaria a R$850 mi.

Com a derrota iminente da emissora carioca, começou a aflorar o “amor” de alguns cartolas pela Globo, fato que dificultou e travou a negociação, sempre visando não deixar a emissora sem os jogos do Campeonato Brasileiro:

Primeiro, foi sugerido que fossem negociados os jogos de quarta e sábado para uma emissora e os de quinta e domingo para outra. Essa proposta foi levada em conta, porém o Clube dos Treze vetou, e deixou claro que os jogos seriam transmitidos por apenas uma emissora, que decidiria o horário de transmissão.

Diante dessa posição do Clube dos Treze, alguns dirigentes passaram a argumentar que os clubes poderiam receber um repasse maior caso a Record fosse a vencedora, porém perderiam em questão de captação de patrocínio, exibição, visibilidade entre outros. Temia-se também que, caso a audiência alcançada pela Record estivesse abaixo dos padrões obtidos pela emissora com sua grade normal, que alguns jogos fossem deixados de ser transmitidos. Apenas outro argumento forçado para tentar manter a Globo viva na disputa.

Em seguida, tentou-se mascarar uma cláusula de preferência na nova licitação: a Globo poderia ter uma oferta 10% menor que as emissoras concorrentes e mesmo assim continuaria com os direitos de transmissão do campeonato. Mais uma vez a intervenção do Cade foi pontual, porém de extrema importância, e acabou com essa cláusula.

Perante esse cenário, no qual não teria poder econômico para concorrer com outra emissora, a Globo enviou um comunicado oficial, afirmando estar fora da licitação para os próximos três campeonatos brasileiros, após 26 anos à frente das transmissões. Informou também que estaria disposta a negociar diretamente com clubes interessados em terem seus jogos transmitidos por ela.

“Misteriosamente”, alguns clubes iniciaram um movimento para se desvincular do Clube dos Treze, ganhando autonomia para negociar contratos de transmissão individuais. Corinthians e os 4 grandes do Rio de Janeiro (Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco) foram os pioneiros. Porém, o Cade reconhece a legitimidade da entidade, e afirma que os clubes não podem negociar contratos individualmente, visto que são legalmente filiados a ela. Além disso, os clubes cariocas têm dívidas altas com o Clube dos Treze, o que impediria sua desvinculação. O Corinthians se encontra em situação semelhante e por isso está apenas licenciado da entidade, buscando meios para resolver a situação.

A questão por trás de toda essa disputa, de todo esse jogo entre os clubes é uma só: por que a necessidade de manter a Globo como emissora “oficial” do Campeonato Brasileiro, mesmo quando o valor ofertado por ela é muito menor que outras emissoras?

Como é sabido, grande parte das receitas dos clubes do futebol brasileiro vem dos direitos de transmissão, pois ainda não há uma cultura de marketing esportivo implantada nessas agremiações, que visa a diversificação de receitas e a exploração de recursos inerentes ao clube.

Ao longo dos anos, os clubes foram ficando cada vez mais dependentes das receitas de direitos de transmissão (bem como das receitas de venda de jogadores). Diante do cenário de clubes falidos, dívidas crescentes, balanços patrimoniais e demonstrativos de resultado no vermelho, também não é incomum ouvirmos a expressão “antecipação dos direitos de transmissão”. Ou seja, o clube antecipa a receita de uma cota de transmissão de um campeonato futuro, de maneira a “tapar os buracos” do ano corrente, buscando equilibrar suas contas. É desnecessário dizer que tal fato se torna cumulativo, no chamado “efeito bola de neve”: as dívidas vão se acumulando, as antecipações de receita vão se tornando mais freqüentes e os clubes vêem sua capacidade de reverter a situação se tornar cada vez menores.

E quem foi o grande financiador de todas essas antecipações de cotas de direitos de transmissão? Sim, obviamente, a Rede Globo.

Assim, começa a ficar mais clara a “lealdade” de alguns clubes com a emissora carioca. “Lealdade” essa que visa apenas manter o fluxo de (antecipações de) receitas correndo, tapando os buracos e evitando expor a criticidade das contas aos torcedores e aos credores. Os clubes parecem não ver que a cada passo mais próximo da Globo, maior a dependência que criam, menor seu poder de barganha e maior sua dificuldade em reverter a situação.

Como já dito anteriormente em alguns textos desse blog, as receitas de televisão servem como um anestésico para os clubes, pois chegam aos cofres de forma fácil, e fazem com que eles se acomodem e não busquem novas formas de gerar caixa (licenciamento, diversificação de ofertas no estádio, novas formas de patrocínio entre outros).

Romper com o Clube dos Treze não parece uma alternativa inteligente; se o poder de negociação de uma entidade que reúne os maiores clubes do país já é pequeno perante as emissoras, negociar individualmente faz com que os clubes tenham ainda menos força. Talvez num primeiro momento, no curtíssimo prazo, seja vantajoso para esses clubes; talvez o valor oferecido seja maior que aquele que seria obtido através do repasse do Clube dos Treze. Porém, no longo prazo, à medida que novas negociações surjam, a emissora começará a utilizar o seu maior poder de barganha, deixando os times na situação “ou aceita, ou aceita”.

Dessa forma, enquanto não temos clubes (grandes e pequenos) preparados para gerar receitas com as ferramentas de marketing esportivo disponíveis, acredito que o melhor caminho para eles seja se unir, manter o Clube dos Treze como a entidade responsável pelos seus interesses, e que seja buscada a melhor oferta pelos direitos de transmissão dos próximos 3 Campeonatos Brasileiros. “O 4º melhor campeonato nacional do mundo”


[1] Entidade formada por: Atlético-MG, Atlético-PR, Bahia, Botafogo, Corinthians, Coritiba, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Goiás, Grêmio, Guarani, Internacional, Palmeiras, Portuguesa, Santos, São Paulo, Sport, Vasco e Vitória

 


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